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quinta-feira, 2 de abril de 2015

Martírio Cristão: Algumas Reflexões

The Lutheran Church Missouri Synod – Journal of Lutheran Mission

Martírio Cristão: Algumas Reflexões

Por William Weinrich

De acordo com Jo 15.20, no cenáculo Jesus disse aos seus discípulos: “não é o servo maior do que seu senhor. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros”. Nestas palavras, nosso Senhor nos prediz e adverte que vivemos nos últimos dias. Mais adiante, no Evangelho de João, é-nos dito que quando Jesus tomou o vinagre, ele disse “está consumado”, e rendeu seu santo Espírito (Jo 19.30). Os últimos dias começaram com a morte de Jesus, o que significa dizer que os últimos dias (sub cruce) têm como marca essencial a confrontação da fé cristã com o mundo. Em sua primeira epístola, o apóstolo Pedro coloca esse ponto bem explicitamente: “Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós, destinado a provar-vos, como se alguma cousa extraordinária vos estivesse acontecendo” (1Pe 4.12). Alguém que é batizado em Cristo deve esperar o destino de Cristo. O Evangelho de João não nos permite atenuar esse ponto. Em seu Evangelho, o evangelista une o dom do Espírito e a história de Tomé. Pela ordem do Jesus ressurreto para tocar em seu lado e em suas mãos, Tomé reconhece Jesus como seu Senhor e seu Deus (Jo 20.24-29). Isso é distintivamente um momento martirológico: Comunhão na Paixão de Jesus, ao mesmo tempo, carrega junto a confissão de Jesus como Senhor e Deus. Os últimos dias demandam tal comunhão e tal confissão. Aqui, nós podemos assinalar que a ideia de “os últimos dias” não é tanto uma realidade cronológica quanto é uma realidade da cruz no mundo. Quando o mundo não é confrontado pela cruz, ele não experimenta a plenitude dos “últimos dias”.
Cristãos constantemente têm se deparado com hostilidade e rejeição em algum tempo e/ou lugar desde a fundação da Igreja. Ainda elementos especiais, novos para nossa experiência, podem ser mencionados que fazem o tema da perseguição e martírio compreensível e pastoralmente necessário no tempo presente. Uma recente reportagem do Vaticano sobre a perseguição de cristãos pelo mundo faz menção especialmente de dois desses elementos. Em suma, a reportagem diz o seguinte: “Verossímil pesquisa tem alcançado a chocante conclusão que um estimado de mais de 100.000 cristãos são violentamente mortos todos os anos por alguma razão relacionada à sua fé. Outros cristãos e fiéis são sujeitados a forçado debandar, para a destruição de seus locais de culto, violação e abdução de seus líderes... Além disso, em alguns países ocidentais onde historicamente a presença cristã tem sido uma parte integral da sociedade, emerge uma tendência que intenta marginalizar a cristandade na vida pública, ignorar as contribuições históricas e sociais e até restringir a possibilidade das comunidades cristãs de executar serviços de assistência social”.
Grupos como Persecution.org concordam com essas conclusões. Segundo o grupo, uns “duzentos milhões de cristãos atualmente sofrem perseguição”. E o número é crescente. Referente à perseguição ativa de cristãos, Persecution.org menciona especialmente lugares como África e Oriente Médio. No Egito, os antigos e tradicionais cristãos Coptas encaram crescente hostilidade, e de acordo com um observador, “o que tem acontecido no Iraque e Síria é de fato um genocídio de cristãos” (Neil Hicks of Human Rights First).
Há duas grandes ameaças no mundo às igrejas luteranas: o surgimento de um expansionista, Jihadist Islam, o qual reluta em ceder espaço às comunidades cristãs, e o crescente domínio do igualitarismo secular ocidental, que afirma que o pensamento tradicional cristão e seus hábitos são intolerantes e discriminatórios, e assim também secularistas são relutantes para tolerar a influência cristã na esfera pública. Cristãos que vivem na Europa ocidental ou nos Estados Unidos estão igualmente cientes das forças sociais e até legais que intentam definir a fé cristã como mera opinião privada e impedir toda e qualquer participação legítima, seja pública ou social. Isto é, indubitavelmente, um novo fenômeno, e nosso povo está amplamente mal preparado para este emergente desafio. Desde o tempo de Constantino, perspectivas e compreensões bíblicas têm determinado os hábitos sociais do mundo ocidental, que em troca tem sido mais ou menos consagrado pelo costume e pela lei. Embora nossa teologia possa nos ensinar que estamos a viver a teologia da cruz, nossa experiência de ser cristão no mundo tem, por muito tempo, sido incontestada e não tem sofrido sérios problemas públicos (pelo menos isso é verdade na Europa ocidental e nos EUA). Não é mais o caso. Convicções cristãs representam cada vez mais a visão da minoria, e diminuem as tradicionais proteções sociais e legais.
Hoje, ser um cristão no mundo é ser controvertido e enfrentar sérios desafios – em alguns lugares com consequências fatais. Isso permite a todos nós perceber como podemos melhor preparar a nós mesmos e nossa gente a conhecer esse desafio existencial. Eu gostaria de trazer algumas reflexões com base nos primórdios do martírio cristão como narrados nos textos dos primeiros mártires. É claramente evidente que os primeiros cristãos estavam cientes da realidade de martírio como uma realidade cristã e conscientemente se preparavam para essa eventualidade. Sem dúvida, nossa primeira evidência de um culto mártir deixa isso claro. No Martírio de Policarpo (aprox. 157), é-nos dito sobre a morte de Policarpo que os cristãos reuniram seus ossos e os enterraram “em um lugar adequado”. O que fazia o local “adequado” é assim descrito: “Reunidos aqui, como podemos, em júbilo e alegria, o Senhor nos permitirá celebrar o aniversário de seu martírio, ambos como um memorial daqueles que já lutaram e para o exercício e preparação daqueles que vão [no futuro lutar]” (Martyrdom of Polycarp, 18).[1] A linguagem sugere que na data de aniversário do martírio de Policarpo, a comunidade cristã se reuniu no lugar de seu sepultamento e lá comemoraram a morte dos mártires do passado (provavelmente com a leitura de relatos dos mártires), e pela oração e exortação preparavam seu viver para futuro sofrimento. Ademais, a linguagem sugere que isso ocorreu no âmbito, ou em conjunção com, um serviço eucarístico. Isso é instrutivo para notar que a Eucaristia era considerada como um momento apropriado para reflexão martirológica. Comungar com o corpo e sangue de Cristo visava estar vinculado com ele que foi propriamente a “Fiel Testemunha” (Ap 1.5) e recebeu a coroa da vida: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23.46). União com o corpo e sangue de Cristo une o fiel ao objetivo e destino da fé cristã, a saber, aquela perfeição na qual a confissão da boca é fundamentada pelo sacrifício de uma vida para a verdadeira confissão. A morte do mártir era por si mesma “testemunha” e “demonstração” de que em Cristo Deus subjugou a morte pela nova criação da ressurreição.[2] Participação na Ceia do Senhor, portanto, carrega em si o destino de martírio – se assim estiver de acordo com o desejo e o propósito de Deus.[3] Como nós pensamos sobre as presentes circunstâncias de nossas igrejas luteranas no mundo e sobre como melhor preparar nosso povo para futuro sofrimento, não devemos esquecer o grande recurso que nós temos no Sacramento do Altar. Porque isso não é meramente o que “fortalece” a fé, mas é em si a realidade da vida sobre a morte: “Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6.54).
O entendimento dos primeiros cristãos sobre martírio não surgiu de noções gerais de corajosa convicção e morte heroica. Mesmo que alguém possa encontrar referências a clássicos heróis em antigas exortações sobre martírio (p. ex. Tertuliano, Ad martyras), estes não providenciaram a substância da teologia martirológica da igreja antiga. Por isso, o protótipo era claro; a Paixão e morte de Jesus foram o paradigma proeminente. Nem mesmo sua morte foi levada em conta em termos gerais. Fosse esse o caso, sua morte não possuiria nenhum significado martirológico importante. Não havia nada de natural na morte de um mártir; mais do que isso, era um conflito com os poderes do mal onde o mártir luta precisamente em humilde submissão a tais poderes. Considerando a Paixão e morte de Jesus como um paradigma, certas características são importantes.
Em sua breve exortação aos mártires, Tertuliano interpreta Ef 4.30 como um texto martirológico: “E não entristeçais o Espírito de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção”. Tertuliano então conecta a realidade do batismo com as dificuldades da perseguição e martírio. No caso dos mártires, o Espírito que os selou no batismo os tem também guiado aos seus momentos de sofrimento como mártires. Agora, em vista desses sofrimentos, os mártires são exortados a não entristecer o Espírito de Deus pelo negar de Cristo e apostasia. Se eles negassem a Cristo, estariam assim afastando deles o Espírito. O pensamento por detrás desta pequena exortação requer mais alguns comentários.
O Novo Testamento fala do batismo como um engendramento do alto (Jo 3.3) ou uma “nova criação” (2Co 5.17). Através do batismo, portanto, o pecador recebeu uma nova identidade, uma nova pessoalidade que é marcada por um novo arranjo de relacionamentos e deveres. Essa nova identidade não é natural, nem da carne. É do Espírito, essa nova identidade é fundamentada em Deus e é direcionada para a ressurreição dos mortos. Paulo fala de sua nova identidade outorgada no batismo: “Mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual [Espírito] clamamos: Aba, Pai” (Rm 8.15; também Gl 4.5-7). A identidade do batizado é aquela de criança/filho do Pai celeste. Há nessa convicção um aspecto distintamente acético, transcendental, que deixa todo relacionamento terrestre, natural, carnal radicalmente em penúltimo lugar. Nos primeiros textos martirológicos, isso é especialmente expresso em relação aos laços familiares terrenos e às reivindicações de autoridade imperial e poder. Nesse contexto, é importante lembrar que a fé cristã não pode ser reduzida à opinião privada. A verdade cristã não pode ser entendida como sendo uma opinião que pode ser adicionada a ou subtraída do depósito de outras opiniões. Enraizada no batismo, a fé cristã reivindica concernente ao fundamental, irredutível realidade da pessoa humana. Por conseguinte, a comum, recorrente confissão do mártir cristão: sum christianus; “Eu sou um cristão”. Fazer tal reivindicação não era apenas afirmar que alguém cria que fulano de tal era verdadeiro. Era uma reivindicação de identidade pessoal que reclamava pelos direitos básicos sociais, familiares e políticos. Martírio cristão, portanto, era intrinsecamente uma declaração que tinha implicações sociais, familiares e políticas. Martírio cristão não era um ato de heroísmo pessoal ou individual. Era, isso sim, essencialmente um ato público que coloca em questão qualquer crença, um transcendente acessório ante aquilo que não era Deus. O que caracteriza toda a história dos mártires são os relatórios dos julgamentos e espetáculos públicos. O mártir fica diante de todos e dá testemunho, primeiro com a boca, depois com a morte. Aí está porque o martírio deve ser considerado como um ato essencialmente eclesiástico.[4] Em sua morte, o mártir demonstra claramente que nenhum apego terreno – nem a família, nem a nação ou governante – era um bem definitivo (optimum bonum). Aquilo que por si só era, em última análise, verdadeiro e bom era a confissão de fé, “eu sou um cristão”.[5] Alguns exemplos serão suficientes.
No segundo século, Atos dos Mártires de Scillitan, o procônsul, Saturninus, demanda que os cristãos honrem o imperador com juramento e oração: “Nós [romanos] somos um povo religioso, e nossa religião é simples: nós juramos pelo gênio de nosso senhor, o imperador, e oferecemos orações por sua saúde... Juramos pelo gênio de nosso senhor, o imperador”.[6] Claramente o procônsul pensa que os cristãos devem ao imperador um juramento de fidelidade. Ele é “nosso senhor” (noster dominus). Que tal juramento sugere uma lealdade definitiva está claro pelo fato de que a punição por não juramento pelo gênio do imperador é a morte. Viver requer lealdade ao poder terreno, político. Em resposta ao litígio do procônsul, o cristão Speratus replica: “Eu não reconheço o Estado (império) deste mundo. E mais, eu sirvo aquele Deus que nenhum homem vê ou pode ver com esses olhos”. Outro cristão, Cittinus, diz: “Nós não tememos ninguém exceto nosso Senhor (domnum nostrum), Deus, que está nos céus”. A isso Donata acrescenta: “Honramos a César como César, todavia, tememos a Deus”.  Logo a seguir, vários cristãos disseram: “Eu sou cristão”, e Speratus também disse: Eu sou cristão”, e, somos informados que “todos concordaram com ele”.[7] Nesse simples e antigo texto martirológico nós vemos bem claramente que a questão em jogo é esta: Quem é o verdadeiro Senhor no mundo? A confissão “eu sou cristão” é nada mais que a reivindicação de que todos os poderes terrenos são penúltimos, ou seja, não podem legitimamente reivindicar lealdade última. Essa é uma ideia central no entendimento martirológico antigo, e nós devemos voltar logo a esse aspecto da martirologia cristã antiga.
Mas não somente questões políticas eram relegadas a segundo plano ou penúltimo lugar nos antigos textos martirológicos. Outrossim, os laços familiares são relegados e separados completamente. Talvez o exemplo mais mordaz disso pode ser encontrado na Paixão de Perpetua (aprox. 202). Quando Perpetua, uma jovem, mulher nobre, é acusada diante do magistrado Romano, seu pai aparece e implora a ela que não desonre sua família e traga má reputação e desgraça social: “Não me abandones para o opróbrio dos homens. Pensa em teus irmãos, em tua mãe, em tua tia; considera também tua criança... Desista do teu orgulho! Tu destruirás a todos nós”. Depois, quando os cristãos foram levados à audiência pública no fórum, Perpetua é novamente confrontada por seu pai que trazia consigo sua pequena criança. Ele diz a ela: “Sacrifício – tenha misericórdia de seu infante”. Impelida pelo governador que tivesse piedade de seu pai e da criança, Perpetua é oficialmente questionada: “Tu és cristã”? E ela diz: “Christiana sum”.[8] A alegação da identidade cristã carrega consigo a reivindicação de que todos os laços familiares, associações e obrigações são temporais, penúltimos e não podem comprometer nossas mais profundas lealdades. Na confissão de Perpetua, “eu sou cristã”, ela incorpora as palavras de Jesus: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim; e quem não toma a sua cruz e vem após mim não é digno de mim” (Mt 10.37-38).
Vamos agora voltar ao que é assunto central em todos os antigos relatos martirológicos, e este é a questão da idolatria.
Nós já fizemos referência às palavras de Speratus nos Atos dos Mártires de Scillitan: “Eu não reconheço o Estado (império) deste mundo. E mais, eu sirvo aquele Deus que nenhum homem vê ou pode ver com esses olhos”. É um fato interessante que nos antigos textos cristãos martirológicos a confissão primária do mártir não é, como nós poderíamos esperar, crer em Jesus e a ressurreição dos mortos. A confissão central é de Deus como o Criador de todas as coisas. O Martírio de Apollonius ao final do segundo século (aprox. 180) dá um bom exemplo disso. Quando Apollonius é trazido ante a coorte, o procônsul, Perennis, pergunta-lhe: “Apollonius, tu és um cristão”? A este inquérito Apollonius responde: “Sim, eu sou um cristão, e por esta razão eu adoro e temo o Deus que fez céus e terra, e mar, e tudo o que neles há”.[9] A confissão de Apolônio não é explicitamente do segundo artigo do credo, nem do terceiro artigo. É uma confissão do primeiro artigo: “Eu creio em Deus, o Criador”.[10]
No contexto de martírio isso não pode ser uma alegação abstrata tal como “eu creio que Deus criou o mundo”.  A explanação de Lutero sobre o primeiro artigo vai direto ao ponto: “Creio que Deus me criou a mim e a todas as criaturas”. Vamos enfatizar novamente: A confissão de um mártir, christianus sum, não era apenas uma declaração de filiação em um determinado grupo religioso. A confissão christianus sum era uma confissão de identidade pessoal; expressava que alguém não era meramente o que acreditava ser verdade. Esse é o fato que fez a questão da idolatria tão mordaz, pois a questão central em todas as histórias dos mártires e esta: Quem é este que possui o poder para matar e dar vida? A reivindicação concernente à identidade do mártir é ao mesmo tempo uma reivindicação concernente ao Deus verdadeiro!
As narrativas de martírio dos primeiros cristãos são histórias de conflito. Em tais histórias não há terreno neutro.[11] O cristão ou está a sacrificar aos deuses ou não está; ele está ou a confessar ou a negar; a viver ou a morrer. Dentro desse momento existencial do mártir reside o conflito entre Deus e os falsos deuses. Vamos ver mais alguns exemplos de interrogatórios por oficiais romanos e as respostas dos mártires cristãos. Segundo o Martírio de Policarpo, é ordenado ao mártir: “Jura [aos deuses] e deixo-te ir. Amaldiçoa Cristo”. Ao que Policarpo responde: “Por 86 anos eu tenho sido seu servo, e ele nenhum mal me tem feito. Como posso eu blasfemar contra meu Rei e Salvador”?[12] No Martírio de Apollonius ordena-se ao mártir sacrificar aos deuses e à imagem do imperador Commodus. Quando Apollonius recusa, o procônsul diz: “Eu devo conceder-te o prazo de um dia, para que penses um pouco sobre tua vida”. Em vista da contínua recusa de Apollonius, o procônsul insiste: “Aconselho-te a mudares de ideia e venerares e adorares os deuses, os quais nós todos veneramos e adoramos, e continuares a viver entre nós”. A isto Apollonius diz: “É o Deus dos céus que eu cultuo, e só a ele venero, que soprou em todos os homens viva alma e diariamente dá vida a todos”.[13] Finalmente, mencionamos um terceiro exemplo. De acordo com o Martírio de Pionius, o presbítero Pionius é preso e lembrado do édito imperial que todos deveriam “sacrificar aos deuses”. A isto Pionius replica: “Nós estamos cientes do mandamento de Deus ordenando-nos a adorar a ele somente”. A esta resposta de Pionius, Sabina e Asclepiades adicionam suas vozes: “Nós obedecemos ao Deus vivo”.
Fica claro a partir desses diálogos que a questão em jogo é esta: Quem tem o poder para dar e tirar a vida? Os magistrados romanos creem que tal poder está em suas mãos. Eles podem suspender a execução dos cristãos e livrá-los ou exigir a pena de morte. O que creem os cristãos? No momento da decisão/confissão, o cristão deve declarar o que realmente crê. A fé é dirigida ou aos deuses, ou ao Deus Criador. Recusando oferecer sacrifício aos deuses, o mártir rejeita a alegação dos magistrados de que eles possuem o poder para dar vida. Além disso, recusando viver nos termos da coorte, o mártir confessa que é Deus o Criador, e Ele somente, que possui o poder para dar e tirar a vida.[14] A vida que o magistrado oferece em troca de sacrifício aos deuses é um veredicto de morte, porque aqueles deuses não são deuses e não há vida neles. Os deuses, e deveras todo poder terreno, são intrinsicamente fúteis e vazios quando colocados em oposição a Ele que é o Criador de todas as coisas. Destarte, quando ordenado a negar a Deus e desobedecer Sua vontade para que possa reivindicar os poderes de futilidade, a única resposta de alguém que é cristão é o conhecimento de sua liberdade de tais não-entidades e sua livre lealdade ao verdadeiro Deus que existe eternamente. Portanto, quando o procônsul romano exige de Apollonius que sacrifique aos deuses para que possa continuar vivo, Apollonius responde: “Tornei-me um homem que teme a Deus de modo que não posso reverenciar ídolos feitos por mãos. Por isso, eu não me curvarei a ouro ou prata, bronze ou ferro, ou ante falsos deuses feitos de pedra ou madeira, que não podem ver nem ouvir; pois esses são trabalhos de artesãos, gente que trabalha com ouro e bronze; eles são esculturas de homens e não têm vida alguma em si mesmos”.[15] Similarmente, quando Carpus é ordenado sacrificar aos deuses, ele responde: “Podem ser destruídos os deuses que não fizeram os céus e a terra”. Após nova pressão para que sacrificasse, ele diz: “Os vivos não podem oferecer sacrifício aos mortos”.[16]
Idolatria é uma forma que o poder da morte assume, e adorar ídolos mortos não é viver, mas sucumbir ao poder da morte. Quando, portanto, o mártir voluntariamente recebe o julgamento de morte pelas mãos do poder terreno e coloca este julgamento sobre si mesmo em martírio, ele confessa que o único, verdadeiro Deus é o Criador que tem dado a ele vida e deseja dar-lhe vida novamente na ressurreição dos mortos. Esse é o profundo paradoxo, a profunda verdade do martírio de que nele a real e própria relação entre Deus e o mundo é revelada.  A morte do mártir testemunha o fato de que a única fonte da vida humana e da esperança é o próprio Deus. Por conseguinte, martírio, para aqueles que veem, revela o Deus vivo. No Martírio de Fructuosus, é relatado que depois do seu martírio, os céus foram abertos, revelando o bispo com seus diáconos “ascendendo coroados aos céus, com as estacas nas quais tinham sido presos ainda intactas”. O cônsul romano, Aemilianus, foi chamado para ver aquilo: “Venha e veja como aqueles a quem tu condenaste à morte hoje foram restabelecidos aos céus e às suas esperanças”. Entretanto, é-nos dito: “Quando Aemilianus veio, ele não foi digno de vê-los”.[17]
Segundo Persecution.org, o bispo Thomas da Igreja Copta recentemente disse referente ao período contemporâneo no Egito: “Nós estamos atravessando um escuro túnel de violência, sentindo a aflição da morte e da injustiça. Contudo, estamos comprometidos ao amor que nunca falha. Somos duramente oprimidos de todos os lados, porém não esmagados”. Esta última sentença ecoa o sentimento do apóstolo Paulo concernente aos seus próprios sofrimentos apostólicos:
“Em tudo somos atribulados, porém não angustiados” (2Co 4.8). No Novo Testamento o tema da imitação de Cristo em seu sofrimento e morte está conectado ao sofrimento sob poderes terrenos e oposição humana. 1Pedro 2.21 é clássico: “Porquanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos”. Em nenhum lugar no Novo Testamento há esta ideia mais vívida do que nas reflexões de Paulo sobre seu próprio apostolado. Precisamente porque ele era um apóstolo sua vida era um ícone de sua pregação. Quando Paulo afirma “nós pregamos a Cristo crucificado... poder de Deus e sabedoria de Deus” (1Co 1.23-24), ele declara que sua vida se encontra sob esta proclamação e adquire forma a partir dela. Assim, quando contra certos detratores, Paulo deve defender seu apostolado, e ele assim o faz referenciando seus sofrimentos por Cristo. Considera estas marcantes afirmações de Paulo (2Co 4.9-11): “Perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos; levando sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo. Porque nós, que vivermos, somos sempre entregues à morte por causa de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa carne mortal”.
Paulo direciona nossos olhos para sua carne/corpo. Ver ali as marcas de seu sofrimento é reconhecê-lo como um apóstolo que, por esta razão, é uma imagem da vida de Cristo.[18] Realmente, para falar de seus sofrimentos como um apóstolo, Paulo, por vezes, adota a linguagem da Paixão de Jesus. Em 2Co 12.7-10, Paulo se refere a seus sofrimentos apostólicos como “um espinho na carne”. Como fez Jesus no Jardim do Getsêmani, Paulo pediu três vezes que esses sofrimentos fossem removidos dele. A isto o Senhor disse: “A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza”. Por trás de tais colocações repousa a convicção de Paulo de que a cruz de Jesus é o molde da vida apostólica. Sofrer por Jesus não é meramente resultado de um destino adverso ou da circunstância azarada de estar no lugar errado na hora errada. É o chamado do apóstolo para ser a imagem do Crucificado no mundo (At 9.16). Quando, portanto, a Igreja se confessa “apostólica”, ela reconhece esse fato como verdade, também como sua permanência temporária no mundo. Se a Igreja é apostólica, então ela também é martirológica.[19]
Evidentemente, isso não significa que todo cristão sofrerá rejeição, perseguição ou martírio. No entanto, isso não nos dá o direito de amenizar a necessidade de ser batizado na morte e ressurreição de Cristo. Talvez nenhum pensador luterano refletiu mais profundamente na condescendência de Cristo do que Hermann Bezzel, o sucessor de Wihelm Loehe no instituto diaconal em Neuendettelsau. Para Bezzel, as palavras do Senhor a Paulo, “o poder se aperfeiçoa na fraqueza”, não foi somente uma perspectiva hermenêutica para interpretar o todo das Escrituras. Foi também uma sentença para o serviço ao qual todos os cristãos são chamados. “Esta [passagem] é realmente a rubrica na qual se firma a vida de Jesus”. Expressa o mistério de Sua pessoa por meio do que o Onipotente O faz conhecido e dá a si mesmo como alguém que é fraco e humilde. “Aquilo que é pequeno em poder, aquele poder que se aperfeiçoa na fraqueza, não é um poder em ou de si mesmo; não é um poder que é deliberadamente um poder. E mais, tal poder alcança algo tão-somente se Deus o adota como seu próprio”.[20] Quando Jesus, profundamente triste até à morte, ora a seu Pai para passar dele o cálice de sofrimento, ele ainda assim se coloca debaixo da vontade do Pai: “Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres” (Mt 26.39). O Evangelho de João nos apresenta Jesus como aquele que recebeu a resposta do Pai, e então se coloca a fazer a vontade do Pai: “Agora está angustiada a minha alma, e que direi eu? Pai, salva-me desta hora? Mas precisamente com este propósito vim para esta hora. Pai, glorifica o teu nome” (Jo 12.27-28). Viver a partir da cruz é fazer a vontade do Pai. Na oração do nosso Senhor nós somos ensinados a orar: “Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu”. Quando, no alto da cruz, Jesus diz “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!” (Lc 23.46), ele revela que a vontade de Deus está feita: “Fé – confiar a própria vida a Deus – fazer a vontade de Deus”. Essas são maneiras diferentes de dizer a mesma coisa. Por isso, em sua primeira epístola o apóstolo Pedro adota essas palavras de Jesus a fim de exortar cristãos sob coação à fidelidade e vida santificada: “Por isso, também os que sofrem segundo a vontade de Deus encomendem a sua alma ao fiel Criador, na prática do bem” (1Pe 4.19). Fé cristã é essencialmente ascética. Sabe que as coisas deste mundo são temporárias e fugazes. Colocar a esperança nelas é perder de vista aquilo que é permanente. Assim, a totalidade da vida cristã é para ser, como era, um martírio sem derramamento de sangue, fé vivida pela esperança que repousa em Deus.
Os simples cristãos de Scilla sofreram no segundo século. Ainda assim, a pregação cristã os guardou em memória. No início do quinto século, Santo Agostinho pregou no aniversário deles. Mas de que relevância foi a história ao seu público? Agostinho sabia que o tempo de evidente perseguição era no passado. O Império Romano no qual sua congregação vivia era agora cristão em convicção e hábito: “Não há mais furiosa perseguição, nenhum saqueador de despojo, nenhum torturador vos afligindo”. Além disso, diz Agostinho, muitos estão seguindo as necessidades da vida bem como as superficialidades da vida como seus perseguidores: “Quantas maldades são cometidas como que por razões de necessidades, por comida, por roupas, por saúde, por um amigo; e todas essas coisas que são desejadas são efetivamente perdidas. Se tu fizeres pouco caso dessas coisas no presente, Deus as dará a ti por toda a eternidade. Não estima tanto a vida, tu terás imortalidade; não te preocupa com a morte, tu terás vida; faze pouco caso de honra, tu terás uma coroa; não te deleita na amizade do homem, tu terás a amizade de Deus”. Como os santos mártires “preferiram viver morrendo, a fim de não morrer por viver”, como os santos mártires “desprezaram a vida por amor à vida”, assim o cristão em sua vida diária deve viver a vida de Cristo pelo desprezar as coisas do mundo: “Tu sentes bem-estar? Faze pouco caso disto, e tu haverás de tê-lo. Tu negas a Cristo, com medo de estragar tua amizade com os homens; confessa Cristo, e desfrutarás a amizade da cidade dos anjos, a cidade dos patriarcas, a cidade dos profetas, a cidade dos apóstolos, a cidade de todos os mártires, a cidade de todos os crentes fiéis. O próprio Cristo estabeleceu isso para sempre” (Ps. 48:8).[21]
Agostinho usou a autonegação do mártir cristão como um paradigma para a vida diária de todos os cristãos. Martírio é, em primeiro lugar, não um evento, mas um habitus espiritual. É uma postura diante do mundo como aquilo que é temporário e secundário e diante de Deus como Ele que é Senhor e Salvador. Dentro deste habitus se encontra a confissão: “Creio em Deus Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra”. Indubitavelmente, este habitus espiritual é em si a instanciação da confissão: “Deus me criou”. Para preparar nosso povo para a luta vindoura, nós devemos ensiná-los a ser cristãos para que possam, com robusta fé e em vívida esperança, confessar e dizer: “Christianus sum”.

O Rev. Dr. William Weinrich é professor de Teologia Histórica e ex-reitor acadêmico no Concordia Theological Seminary, Fort Wayne, Ind.

Tradução: Rev. Edenilson Gass


[1] “O aniversário de seu martírio” – uma expressão impressionante, porém bastante típica do pensamento primitivo sobre martírio: a morte dos mártires era, de fato, sua entrada na vida.
[2] Isso pode ser útil aqui para relembrar-nos que o termo “mártir” não designava alguém que tinha apenas dado um testemunho oral ante um público incrédulo. O termo se referia exclusivamente àqueles que foram mortos, e em sua morte foram “mártires”. O testemunho do mártir era a própria morte. Alguém que deu um testemunho oral, mas ainda assim não sofreu a morte por tal testemunho, era chamado de “confessor”.
[3] No Evangelho de João, Jesus fala do futuro sofrimento de seus seguidores no discurso do cenáculo. Os evangelhos sinóticos não têm tal discurso, enquanto João o tem, mas não há narrativa explícita de instituição. Pode-se perfeitamente interpretar João 13-17 como uma catequese.
[4] No tratado Sobre as Igrejas e Concílios Lutero lista martírio como uma das marcas (notae) da Igreja.
[5] Desta perspectiva nós podemos entender porque o mártir era um especial objeto de honra e veneração. Por sua voluntária, inabalável morte ele dava forma ao primeiro mandamento: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento”. (Mt 22.37)
[6] Todas as citações são de Herbert Musurillo, The Acts of the Christian Martyrs (Oxford Early Christian Texts; Oxford: Clarendon Press, 1972). Aqui, Atos dos Mártires de Scillitan 3-5 (Musurillo, 86/87), sobre as implicações da coparticipação na Ceia, da vida recebida e então vivida. Inácio de Antioquia fornece uma antiga tradição de uma conversa entre Jesus ressuscitado e seus discípulos: Jesus ordena que eles o toquem e vejam que ele não é um “espírito incorpóreo”. “E imediatamente eles o tocaram e creram, estando intimamente unidos à sua carne e sangue. Por essa razão eles desprezaram a morte, de fato foram encontrados superiores à morte” (Smyrn. 3.2). Na minha opinião, as duas últimas sentenças falam dos discípulos compartilhando da Eucaristia e então, e por aquela razão, provando serem “superiores à morte” em suas várias corajosas confissões e também no martírio.
[7] Acts of the Scillitan Martyrs 6-10 (Musurillo, 86/87-88/89).
[8] Passion of Perpetua and Felicitas 5-6 (Musurillo, 112/13-114/15).
[9] Martyrdom of Apollonius 2 (Musurillo, 91).
[10] Esta confissão de Deus como Criador ocorre frequentemente. Veja Martyrdom of Justin 2.5 (Musurillo, 43); Martyrdom of Carpus 10 (Musurillo, 23); Martyrdom of Pionius 8 (Musurillo, 147); Acts of Cyprian 1 (Musurillo, 169); Martyrdom of Fructuosus 2 (Musurillo, 179).
[11] Para uma abordagem mais completa do assunto, confira William C. Weinrich, “Death and Martyrdom: An Important Aspect of Early Christian Eschatology”, Concordia Theological Quarterly 66.4 (2002): 32-38.
[12] Martyrdom of Policarp 9 (Musurillo, 9).
[13] Martyrdom of Apollonius 10-13 (Musurillo, 93, 95).
[14] De tempos em tempos o mártir relembrará o juiz humano que sua autoridade é derivada de Deus em cujas mãos reside todo o poder. O juiz, independente do seu veredicto, é um servo de Deus, e por esta razão, como pode dispor de sua autoridade e poder tornar-se-á um assunto no seu próprio julgamento no último dia.
[15] Martyrdom of Apollonius 14 (Musurillo, 94-95). A tradução desta passagem por Musurillo é inadequada: “Eu sou um homem piedoso, e não posso adorar ídolos artificiais. Por isso não me curvo diante do ouro”. Podemos parafrasear o significado como segue: Através do batismo vim a ser um homem que venera o Deus verdadeiro. Que me libertou da falsa reverência aos deuses feitos por mãos, e assim, por nenhuma razão estarei eu agora curvando-me a tais divindades mortas, como tu me ordenas fazer. O tempo futuro com dupla negação é a maneira mais intensa para expressar negação no texto grego: “De modo algum me curvarei”.
[16] Martyrdom of Carpus 10-12 (Musurillo, 22-23, 24-25).
[17] Martyrdom of Fructuosus 5 (Musurillo, 183). O paradoxo do martírio que quando alguém morre, de fato recebeu a vitória e agora vive é graficamente ilustrado em Passion of Perpetua 10 (Musurillo, 118/19). Em uma visão Perpetua vê seu próprio martírio iminente. Ela está lutando com um egípcio enorme (o diabo). Pouco depois, “Eu [i.e. Perpetua] coloco minhas duas mãos juntas vinculando os dedos de uma mão com os da outra e então eu segurei sua cabeça. Ele caiu de bruços sobre a face e eu pisei na sua cabeça. A multidão começou a gritar e meus assistentes começaram a cantar salmos. Então me aproximei do treinador e tomei o ramo de vencedor. Ele me beijou e disse ‘Paz seja contigo, minha filha!’ Comecei a caminhar triunfante em direção ao Portão da Vida (Porta Sanavivaria)”. Embora retratado como um triunfo, isso é evidentemente um conto da morte de Perpetua. Ela pisa sobre a cabeça do egípcio, um sinal da morte dele e seu triunfo. Todavia, na realidade do seu martírio é ela que é morta. Seu caminhar em direção à Porta Sanavivarium imita o caminhar daqueles gladiadores que têm sobrevivido a suas lutas. Porém na realidade do seu martírio ela não caminha para o Portão da Vida na arena e sim ao Portão da Vida nos céus.
[18] Em 2Co 1.23-33 Paulo lista seu sofrimento nas mãos de seus perseguidores. Interessante que a forma literária que ele adota para isso é aquela das res gestae que eram comumente usadas para louvar as vitórias de um rei ou imperador. Assim, os vários sofrimentos de Paulo são (paradoxalmente) interpretados como sua vitória! Na literatura do martírio cristão frequentemente se via nos sofrimentos de um mártir a imagem da cruz ou de Cristo. Na Carta dos Mártires de Lyon, santa Blandina “foi pendurada num poste e exposta como isca para os animais selvagens que foram soltos a ela. Ela parecia suspensa lá na forma de uma cruz”. Eusebius, Hist. Eccl. 5.1.41 [Musurillo, 74-75].
[19] Aqui é bom lembrar que cristologia, apostolado e eclesiologia são mutuamente inerentes. O apóstolo era uma imagem de Cristo, e a Igreja é uma imagem do apóstolo (ver 1Ts 1.5-10).
[20] Essas são palavras de Manfred Seitz interpretando Bezzel (Hermann Bezzel: Theologie-Darstellung-Form seiner Verkündigung [München: Chr. Kaiser Verlag, 1960], 161 (tradução do autor). Este livro é uma excelente introdução e apresentação da teologia de Bezzel.
[21] Agostinho, sermão 299D “Sobre o Aniversário  dos Santos Mártires de Scilla” (WSA III/8:256-262).

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